quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

Escravocratas do Século 21


Comecei a minha carreira profissional de TI como muitas pessoas da minha idade no final da década de 90: fazendo sites. Em bem pouco tempo isso se tornou um profissão de verdade: Desenvolvedor Web, ou coisa que o valha. Hoje esse profissional pode ser chamado por muitos nomes, mas continua requisitado.

Passei por empresas "pontocom" na época da bolha, e a vi estourar. Apesar de catastrófico, foi um momento interessante pra se viver, pois compreendi muitos termos e seus significados reais como empreendedorismo, plano de negócios, investidor anjo, venture capital e vários outros que ferviam na web daquela época. Entendi também o que faz e o que não faz sentido dentro de uma empresa quando o objetivo real dela é dar lucro.

Por causa da recessão que atacou esse tipo de empresa, acabei participando de processos seletivos para trabalhar em empresas "normais" que na época eram chamadas de "bricks and mortar", ou seja, as empresas de verdade na visão dos que já desacreditaram da internet como uma via real para fazer negócios verdadeiramente lucrativos.

Por indicação de um amigo, fiz uma entrevista em uma empresa de consultoria de TI, e na época, em 2003, eu não sabia o que isso significava. Nunca tinha tido contato com o conceito de consultoria na prática, mas gostaram de mim e fui contratado. Meu background era o conhecimento das linguagens de programação para web que existiam na época e eu já tinha uma certificação de DBA Oracle 8 que estudei muito para conseguir e paguei do meu bolso, o que me faz pensar agora como estou velho, mas esse não é o ponto.

Quando me dei conta, estava trabalhando em uma consultoria que tinha clientes bem significativos no contexto corporativo do Brasil e comecei a entender o que era ser consultor e como esse mercado funcionava. Ser consultor era não saber muito bem onde eu estaria na semana seguinte, porque poderia ser necessário estar em outra cidade ou estado para atender alguma demanda. Era ter que ficar com o celular ligado 24/7 em caso de alguma emergência. Era aprender sobre o negócio do cliente mesmo sem nunca ter assistido a uma única aula de faculdade sobre aquele assunto. Era bem mais do que isso, mas não vou descrever o que é ser consultor, só que eu já estava me divertindo bastante e a vida profissional de consultor de TI já tinha me conquistado. Eu queria mesmo continuar fazendo aquilo.

Havia uma peculiaridade nisso tudo, eu era consultor de um negócio chamado Hyperion, que nem meus professores de faculdade conheciam, menos ainda meus colegas e profissionais de outras empresas. Parecia uma tecnologia meio que à margem de tudo o que estava acontecendo e fervilhando na internet e na tecnologia de maneira geral. Enquanto muita gente queria certificações Java, eu estava me tornando especialista em uma coisa que ninguém, ou quase ninguém sabia o que era. Isso poderia ser ótimo ou péssimo. Ou eu teria um conhecimento raro e por consequência desnecessário e sem valor ou eu teria um conhecimento raro e por consequência necessário e caro. Pra minha felicidade, a segunda opção se tornou realidade. A quantidade de projetos Hyperion aumentou muito se compararmos 2003 com 2013 e o mercado mundial não consegue atender totalmente a demanda por esse tipo de profissional que pode cobrar taxas bem altas em alguns lugares do mundo, por exemplo, um profissional experiente em Hyperion Financial Management pode cobrar uma taxa de até 500 libras esterlinas por dia em Londres.

Obviamente quando o mercado viu esse movimento acontecendo, muitas consultorias começaram a oferecer serviços e projetos Hyperion e para atendê-los foi necessário procurar esses profissionais no mercado e pagá-los a peso de ouro. Mas com isso surgiram alguns problemas. Um deles foi o fato de que surgiram consultorias novas e pequenas. E talvez você diga que isso é bom e eu acho realmente que deveria ser, afinal eu sou completamente a favor do empreendedorismo e da fomentação de novos negócios. Seria bom se todas essas novas consultorias fossem capazes, competentes e principalmente éticas.

Com o aumento da competição, empresários e gestores sem muitos escrúpulos contratam consultores no mercado, muitas vezes com salários altos, eventualmente até bem acima dos valores praticados pela maioria das consultorias e fazem isso para demonstrar aos seus clientes reais ou em potencial, que tem um time de consultores capaz de implementar projetos Hyperion ou para atender à algum projeto que já foi vendido mesmo sem que a consultoria tivesse um time para implementá-lo. O resultado disso é a venda de projetos com prazos ditados pelo cliente, e não estimados por profissionais capacitados.

Vou dar um exemplo: a área comercial da consultoria tenta vender um projeto de 3 mil horas, o cliente reclama, diz que é muito caro, ameaça não fechar negócio, pressiona, insiste, faz leilão entre os fornecedores com a velha estratégia "mas aquele fornecedor faz por menos" e então o fornecedor que conseguir achatar mais o projeto fazendo com que o projeto fique com menos horas, menos recursos e por consequência com o menor preço, leva o contrato.

Depois do projeto vendido, o vendedor sai de cena, a área comercial já fez a parte dela e agora é com a equipe de delivery. Aqueles que vão implementar o projeto que se responsabilizem por entregar no prazo e sem espremer a margem, lógico. Se o projeto de mil horas foi vendido, a equipe de delivery deve fazer o possível e o impossível para entregá-lo em 800 horas, de preferência, não importa que o projeto deveria ter sido vendido com 3 mil horas, porque agora já foi vendido. Você é parte do time do projeto? Então é responsabilidade sua entregá-lo com qualidade e no prazo, independente da incapacidade do vendedor perceber se aquilo que ele vendeu faz sentido ou não.

Esse não é um cenário caricato, eu passei por ele algumas vezes e na última vez que isso aconteceu foi bastante traumático pra mim. Eu perdi o sono e a tranquilidade, porque a consultoria não me apoiou em nada e era eu que tinha que me explicar com o cliente, não o vendedor que fechou o negócio nem o executivo que cobrava os meus resultados. Ao contrário, fui ameaçado de algumas formas pelo meu empregador durante o projeto e também no momento que decidi sair da empresa. Me foi dito que "o mercado é pequeno e eu deveria cuidar para que as minhas decisões não me prejudicassem".

Esse tipo de padrão só vai continuar acontecendo se os profissionais não se sujeitarem a esse tipo de situação. Eu saí do projeto e da empresa, não podia sacrificar a minha tranquilidade, a minha capacidade profissional e nem a minha ética diante do cliente. Eu recomendo que você faça o mesmo se estiver passando por situação semelhante, tome atitude, converse com quem você acredita que pode te ajudar de alguma forma, seja com seu gestor, com seu gerente de projetos, com seu RH, enfim, não aceite esse tipo de situação passivamente pois dessa forma você estará colaborando para que o mercado não valorize o trabalho dos seus colegas, o seu trabalho e principalmente o maior bem que você consultor tem: o seu conhecimento. Esse ativo você lutou para conseguir e ninguém tira de você, portanto valorize tanto quanto puder mantendo a ética e a boa fé em qualquer situação. Não haverá arrependimento nisso.

Se eu puder dar dicas sobre como evitar problemas com os "escravocratas do século 21" (obrigado ao meu amigo Carlos Freitas pelo termo genialmente cunhado) diria que você deveria:


  • Procurar conhecer o histórico da consultoria no mercado antes de assinar um contrato de trabalho com ela.
  • Verificar se ela já possui contratos para você trabalhar ou se ela quer te contratar para poder conseguir contratos. A segunda opção pode ser uma boa possibilidade desde que você tenha ciência disso, assuma os riscos e negocie bem a recompensa em caso de sucesso.
  • Conversar com pessoas que já trabalham ou trabalharam na empresa e tentar coletar informações relevantes como: clima entre profissionais, relacionamento dos profissionais com os executivos, estratégias comerciais, oportunidades de crescimento, entre outras que você julgar relevante para a sua carreira. O LinkedIn está aí pra isso também, use sem medo.

 
Na era da informação, faça ela trabalhar a seu favor. Informação demais, nesse caso, nunca vai fazer mal.

Sucesso nos seus projetos em 2013!

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